IA – Gilberto Gil e Mia Couto apresentaram visões contrastantes sobre a inteligência artificial durante o Festival Fronteiras. Enquanto o músico adotou uma abordagem positiva e aberta ao tema, o escritor moçambicano demonstrou mais reservas e preocupação.
“Estou me abrindo para saber como é o alcance dela, até onde ela vai, e ver o que ela pode me dar e o que eu posso dar a ela. São as linguagens, os pensares, os dizeres, as coisas, tudo isso que abastece a inteligência artificial. É minha obrigação contribuir para esse abastecimento dela”, disse Gil na abertura do evento nesta quarta (28) à noite.
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Por outro lado, Couto levantou questionamentos sobre o uso da palavra “inteligência” ao se referir a máquinas e alertou para o risco de humanizar excessivamente a tecnologia.
“A palavra inteligência aplicada a uma máquina, não acho que seja uma palavra certa. O meu medo é como nos colocamos parentes de uma coisa que pertence a um outro universo, que é uma ferramenta e tem que ser vista assim”, afirmou Couto, pontuando que existe uma tendência a biologizar a tecnologia.
Ele foi além e destacou os interesses por trás da criação e uso dessas ferramentas: “A grande pergunta é quem o dono da inteligência artificial. Não somos nós. Ela é uma ferramenta poderosíssima que tem um dono que tem outros fins que certamente não são os nossos. É o fim do lucro, da competição, de alguma coisa que pode nos desumanizar”, acrescentou.
O contraste entre as opiniões dos dois convidados foi um dos pontos altos da abertura do festival, que segue em Porto Alegre nesta sexta e sábado, com mesas de discussão entre pensadores realizados em espaços próximos à praça da Matriz, no coração da cidade.
Embora o tema central da conversa — a força do diálogo — fosse amplo e até abstrato, a jornalista Mariana Ferrão, responsável pela mediação, também abordou tópicos mais concretos e contemporâneos.
Enquanto Gil ofereceu respostas mais abertas e conceituais, Couto foi direto e reflexivo. Ao responder a uma pergunta da mediadora sobre a possível perda da capacidade de dialogar, o cantor demonstrou otimismo: disse não crer nisso, devido às rápidas formas de comunicação disponíveis hoje. Já o autor moçambicano destacou o diálogo como parte essencial da experiência humana.
“Mesmo quando brigamos é para chegar ao diálogo. A guerra faz-se para se chegar depois ao fim”, disse Couto, lembrando da guerra civil em Moçambique, que durou 16 anos, de 1976 a 1992, e matou um milhão de pessoas. O conflito apareceu diversas vezes nas falas do escritor, que lançou um romance, “Terra Sonâmbula”, situado na sua Moçambique natal logo depois que o país ficou independente de Portugal e mergulhou numa guerra interna.
“Se a gente descobre a humanidade no outro, a possibilidade de conflito fica reduzida”, disse Couto, acrescentando que o diálogo acontece quando vemos no outro uma pessoa, não “um tumor, uma ameaça”.
Esta é a primeira edição do Festival Fronteiras, promovido pela mesma equipe responsável pelas conferências Fronteiras do Pensamento. Além dos debates entre nomes relevantes do pensamento contemporâneo, o evento conta com apresentações musicais, exposições, lançamentos literários e passeios guiados por locais históricos.
(Com informações de Folha de S.Paulo)
(Foto: Divulgação/Luiz Munhoz)