CLT – Quando a fisioterapeuta Grace Venâncio de Brito Urbinati, de 31 anos, ouviu da diretora da clínica que seria desligada porque “sua prioridade agora vai ser seu filho”, estava grávida de apenas cinco semanas. Contratada como coordenadora dois meses antes, Grace havia informado sobre a gestação aos empregadores, que inicialmente garantiram que isso não seria problema – uma promessa que durou pouco.
Por ser MEI (Microempreendedora Individual), a profissional não tinha acesso à estabilidade prevista pela CLT, que garante proteção desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, licença-maternidade remunerada e outros direitos. Mesmo cumprindo jornada com horário de entrada e saída e funções semelhantes às de um contrato formal, Grace era considerada prestadora de serviços.
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A demissão reduziu drasticamente sua renda. Ao buscar novas oportunidades, preferia informar que estava grávida, mas enfrentava silêncio dos recrutadores. Sem conseguir se recolocar no mercado formal, passou a atender pacientes em casa, com ganhos inferiores à metade do que recebia antes.
Grace chegou a procurar um advogado para tentar reconhecimento do vínculo empregatício, mas os processos sobre pejotização estão suspensos no país desde abril, por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo, segundo Mendes, é estabelecer critérios claros para identificar fraudes nesse tipo de contratação. Uma audiência pública sobre o tema será realizada no dia 10 de setembro.
Avanço da pejotização
Dados do Sebrae mostram que, no primeiro trimestre de 2025, o Brasil abriu 1,4 milhão de novos CNPJs, sendo 78% MEIs, alta de 35% em relação a 2024. O setor de serviços liderou as novas aberturas (63,7%), seguido por comércio (20,8%) e indústria da transformação (7,6%).
O formato é defendido por alguns como oportunidade de autonomia e melhor remuneração, mas especialistas alertam que, na prática, em muitos setores ele não é opcional, mascarando vínculos formais e retirando direitos, especialmente de mulheres grávidas.
Para Larissa (nome fictício), que atuava como PJ em uma agência de marketing, a demissão veio no nono mês de gravidez da segunda filha. A rotina seguia padrões de CLT, com ponto, hierarquia e presença semanal no escritório.
A própria empresa havia elaborado uma cartilha de diversidade, onde Larissa foi convidada a escrever sobre maternidade. Ainda assim, ela viu outras gestantes e puérperas serem dispensadas. No seu caso, ouviu do ex-chefe: “Fico pensando se você vai conseguir dar conta com duas crianças”.
Sem perspectivas no mercado formal, transformou os trabalhos freelancers em principal fonte de renda, retomando as atividades apenas três dias após o parto. “Não era minha vontade empreender. É desconfortável até hoje”, diz.
Demissão com o filho no colo
A publicitária Valesca Luiza Rauber Grotmann foi desligada enquanto carregava o bebê de poucos meses e devolvia equipamentos da empresa. Durante a gestação, havia aceitado migrar de um contrato CLT para PJ, confiando em acordos verbais de flexibilização e licença após o parto.
Um mês depois do nascimento, voltou ao trabalho e percebeu que suas funções estavam sendo reduzidas até o afastamento definitivo. Sem registro, ficou sem licença remunerada, estabilidade ou FGTS. Seu relato no LinkedIn recebeu centenas de comentários de mulheres em situações semelhantes.
Impactos e debate no STF
Antes da reforma trabalhista de 2017, a terceirização era limitada a atividades-meio. Hoje, é permitida para qualquer função, e o STF já validou a pejotização em casos específicos, como o de médicos em 2022.
Para o professor Amauri César Alves, da UFOP, muitos contratos PJ reproduzem obrigações de CLT sem garantias. Já o ex-ministro do Trabalho Almir Pazzianotto Pinto defende que o modelo também nasceu de demandas econômicas e de trabalhadores que preferem evitar descontos previdenciários.
A advogada trabalhista Veruska Schmidt alerta que mulheres pejotizadas estão mais expostas à discriminação e ao silenciamento diante de assédios e condições precárias. “Os contratos são cíveis, não há fiscalização sobre quem está por trás do MEI. Quem paga por isso são as mães trabalhadoras”, afirma.
(Com informações de Folha de S. Paulo)
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