Remoção de conteúdo domina processos contra big techs no Brasil

Remoção de conteúdo domina processos contra big techs no Brasil

Falta de regulamentação clara sobre responsabilidades das big techs abre espaço para crimes virtuais, ataques à honra e disputas comerciais no Brasil

Remoção de conteúdo – O menino E., 13 anos à época, caminhava para encontrar a mãe no centro de Rio Verde, cidade de 225 mil habitantes em Goiás, quando dois homens passaram a correr atrás dele. O episódio ocorreu em 16 de março de 2020. Assustado, ele correu por cerca de cinco quadras, até conseguir despistar os perseguidores e ligar para a mãe após se esconder em uma loja. O caso seria mais um episódio de discriminação no Brasil se não fosse pelo impacto das redes sociais.

O vídeo da perseguição, registrado por câmeras de segurança de um estabelecimento, foi vazado por uma página no Facebook com a falsa acusação de que o adolescente estaria praticando roubos na região. “Eu tive que fazer um boletim de ocorrência para suspender o vídeo porque meu filho começou a ser ameaçado pelas redes. Ele ficou desorientado. Muito comentário maldoso. Ele era adolescente”, relata Shirlei Severino de Jesus, mãe do adolescente, em entrevista à coalizão do projeto “A Mão Invisível das Big Techs”, investigação liderada pela Agência Pública e pelo Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP).

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O caso do menino E. integra as 289 ações judiciais envolvendo big techs que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) analisadas durante o projeto. “Todo mundo se sentia no direito de falar coisas agressivas. Eu nem dormia”, desabafa Shirlei, lembrando que mandou o filho passar quase um ano com parentes em outro estado devido à repercussão do vídeo.

Shirlei entrou na Justiça de Goiás contra os responsáveis pela divulgação do vídeo e contra o Facebook, pedindo a exclusão das publicações e uma indenização de R$ 41,8 mil por danos morais. No entanto, sem regulamentação efetiva sobre responsabilidades das big techs, o juiz considerou que a empresa de Mark Zuckerberg não tinha responsabilidade sobre o caso, mesmo diante de violações aos direitos da infância previstos na legislação brasileira. Além disso, a mãe da criança foi multada em R$ 4,1 mil, equivalente a 10% do valor da causa, mesmo declarando incapacidade financeira para arcar com os custos do processo.

O caso é um entre centenas de ações envolvendo big techs nas cortes superiores brasileiras nos últimos anos. A falta de regras claras sobre responsabilidades das plataformas e sua presença constante no dia a dia de 212 milhões de brasileiros facilita crimes que vão de ataques à honra a estelionatos, dificultando investigações criminais e até respaldando práticas de concorrência desleal.

O STF, inclusive, é alvo de campanhas internacionais nas redes sociais após decisões que desagradam interesses dessas corporações. Os processos foram compilados pela plataforma jurídica Jusbrasil, a pedido da reportagem, para mapear os casos mais relevantes em todo o país, revelando o impacto crescente das redes sociais na vida da população.

O levantamento mostra que cerca de 40% das ações judiciais envolvem remoção de conteúdo, seja em redes sociais, YouTube ou anúncios no Google Ads. Golpes virtuais representam 15,5% dos processos. Um dado curioso: uma em cada dez ações trata de usuários excluídos do jogo FreeFire, envolvendo não apenas a produtora do game, mas também o Google, responsável pelo download do aplicativo na Google Play Store.

Fraudes virtuais

Empresas como Google e Meta figuram em dezenas de ações relacionadas a golpes virtuais, modalidade criminosa em expansão no Brasil. O Google domina serviços de busca, enquanto a Meta controla Facebook, Instagram e WhatsApp, presente em 98% dos celulares brasileiros, segundo consultorias especializadas.

As plataformas são utilizadas para golpes variados: venda de produtos falsos, investimentos fraudulentos com perfis hackeados e falsas oportunidades de negócio nas buscas do Google. É o caso de Silvano dos Santos Fonseca, que perdeu R$ 74 mil em um leilão de automóveis falso destacado em anúncios pagos no Google Ads.

A juíza da 1ª Vara Cível de Sertãozinho (SP) afirmou que “é incontroverso que o autor foi vítima de golpe, cada vez mais difundido no país, onde é simulado um leilão, visando atrair consumidores com anúncios de automóveis com preços abaixo do mercado, com o objetivo de convencê-los a fazer depósito de valores. O veículo, porém, nunca é entregue”. Apesar disso, entendeu que o Google não tinha responsabilidade, interpretação mantida em instâncias superiores.

Disputa de gigantes

Não são apenas pessoas físicas que enfrentam as big techs. Empresas bilionárias também recorrem à Justiça em disputas comerciais envolvendo plataformas. A PagSeguro, gigante de pagamentos digitais da família Frias, processou Google, GetNet e Mercado Pago por violação de sua marca.

A ação aponta que anúncios das concorrentes no Google Ads apareciam à frente da PagSeguro em buscas por sua própria marca, alegando que a big tech “corrobora e estimula a prática do ato ilícito das correqueridas, pois permite e/ou disponibiliza a terceiros a aquisição da palavra-chave ‘PagSeguro’ na plataforma de AdWords, lucrando desarrazoadamente”.

O juiz da 2ª Vara Empresarial de São Paulo proibiu o Google e as concorrentes de veicular novos anúncios relacionados à marca PagSeguro. Na decisão, desconstruiu a tese do buscador de que não seria responsável pelo conteúdo dos anúncios.

“Evidentemente, por se tratar de atividade empresarial lucrativa, não parece haver incentivos, ao menos até o momento e no plano regulatório, para que a Google apresente layout mais destacado, a ponto de alertar, até mesmo o consumidor mais distraído, de que se trata de resultado de busca direcionado, voltado à estratégia de marketing de concorrente do produto que imaginava estar buscando na Internet de forma orgânica e livre”, escreveu o magistrado.

(Com informações de Agência Pública)
(Foto: Reprodução/Freepik/AveDiana)

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