Acesso precoce ao smartphone afeta sono e aumenta risco de depressão e obesidade

Estudo que acompanhou mais de 10 mil adolescentes identificou influência do acesso precoce aos aparelhos no desenvolvimento

Acesso precoce ao smartphone – A discussão sobre quando dar o primeiro celular a uma criança ganhou novos argumentos com uma pesquisa divulgada nesta semana. Segundo o levantamento, o acesso ao aparelho antes dos 12 anos está associado a maior risco de depressão, obesidade e noites de sono mais curtas.

O estudo acompanhou, por dois anos, mais de 10 mil adolescentes participantes do Adolescent Brain Cognitive Development Study (ABCD), um dos maiores projetos sobre desenvolvimento cerebral e comportamento juvenil nos Estados Unidos. A pergunta norteadora era: o que muda na saúde física e mental quando o celular entra muito cedo na rotina dos jovens?

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A urgência do debate aumenta porque não existe uma orientação objetiva sobre a idade recomendada para o primeiro smartphone. A regra geral é apenas evitar a exposição durante a infância, que vai até os 12 anos incompletos. No Brasil, essa também é a diretriz do Ministério da Saúde.

A nova pesquisa, no entanto, indica que mesmo esse limite pode não ser suficiente. Os dados sugerem que a simples posse de um aparelho — ainda que sem uso excessivo — já é capaz de afetar aspectos essenciais da vida, como sono, alimentação e vínculos sociais.

Em entrevista ao g1, Ran Barzilay, psiquiatra infantil e adolescente do Hospital Infantil da Filadélfia e autor principal do estudo, reforça que pais precisam enxergar o celular como uma questão de saúde, não apenas social.

“Os pais devem encarar a decisão de dar um smartphone ao filho como uma etapa que tem implicações para a saúde das crianças”, afirma.

O que o estudo identificou?

Durante os dois anos de observação, os pesquisadores compararam adolescentes de 12 anos que já tinham smartphone com aqueles que ainda não possuíam o aparelho. Entre os que já tinham acesso ao celular, os resultados mostraram:

* 62% mais chance de dormir menos de 9 horas por noite, quantidade recomendada para essa faixa etária;
* 40% mais risco de obesidade;
* 31% mais risco de depressão.

É importante ressaltar que o estudo não considerou jovens com “uso problemático”, caracterizado por longas horas diárias de exposição. Esses casos foram excluídos da análise.

Ou seja, os efeitos apareceram mesmo entre adolescentes cujo uso não era excessivo, sugerindo que o simples contato com o ambiente digital pode reorganizar rotinas e comportamentos fundamentais.

Outro achado relevante: a idade de aquisição importa. A idade mediana do primeiro celular na amostra foi 11 anos. A cada ano em que o aparelho chegava mais cedo, o risco de obesidade aumentava 9% e o risco de sono insuficiente crescia 8%.

“Crianças e adolescentes estão em fase de desenvolvimento, o cérebro e o corpo mudam rapidamente durante esses anos e, portanto, três anos têm muito mais importância do que, digamos, entre os 29 e 32 anos, quando as pessoas já são adultas. Portanto, se conseguirmos manter as crianças saudáveis durante esses anos, o impacto na vida adulta será grande”, destaca Barzilay.

Esses riscos individuais podem parecer pequenos, mas surgem em um período sensível e com impactos futuros significativos. Estudos anteriores já mostraram que adolescentes obesos têm elevada probabilidade de se tornarem adultos obesos e, com isso, desenvolver doenças como hipertensão e diabetes.

O levantamento também analisou adolescentes que não tinham celular aos 12 anos, mas passaram a ter aos 13. Após apenas um ano com o aparelho, eles apresentaram:

* 57% mais risco de atingir níveis clínicos de psicopatologia;
* 50% mais risco de sono insuficiente.

Os efeitos apareceram mesmo quando, no ano anterior, esses jovens tinham bons indicadores de sono e saúde mental — mostrando que o impacto é rápido.

Como o celular afeta a saúde?

O acompanhamento por dois anos permitiu observar mudanças reais na saúde dos jovens. Embora o estudo não tenha isolado quais comportamentos específicos ligados ao celular explicam os maiores riscos, alguns caminhos prováveis foram sugeridos.

O uso do smartphone tende a promover:

* atenção mais fragmentada,
* checagens constantes de notificações,
* menos disposição para atividades ao ar livre,
* maior sedentarismo.

Marcelo Masruha, neurologista pediátrico e pesquisador dos impactos das telas, explica que o aparelho afeta diretamente o desenvolvimento cognitivo. “Crianças e adolescentes que usam telas com mais frequência têm redução da capacidade de memória de trabalho, que é aquela temporária para guardar informação de curto prazo. Além de redução da capacidade de atenção. Ou seja, isso afeta o cérebro em uma idade muito importante de desenvolvimento.”

E quando o adolescente já tem acesso ao telefone?

Conversar com amigos, enviar trabalhos por e-mail, pedir comida por aplicativo, registrar presença em atividades físicas, manter contato com os pais — tudo isso faz parte da rotina de um adolescente hoje. Em algum momento, o celular se torna praticamente inevitável. Barzilay afirma que o propósito do estudo não é proibir o acesso, mas provocar reflexão.

“Quase todos os adolescentes eventualmente terão um smartphone, mas, quando isso acontecer, é importante conversar com a criança e verificar como o smartphone a afeta em termos de sono, bem-estar e se ela ainda tem tempo suficiente para fazer coisas fora do celular, como ver amigos e familiares pessoalmente e praticar atividades físicas, que sabemos serem benéficas tanto para reduzir o risco de obesidade quanto para melhorar a saúde mental”, explica.

Pai de três filhos, ele conta que os dois mais velhos receberam o celular antes dos 12 anos, mas, com os novos dados, decidiu adiar ao máximo a entrega ao caçula, que tem nove anos.

Masruha, que também é autor de um livro sobre uso de telas, costuma recomendar que o celular seja entregue apenas a partir dos 14 anos.

“Se você ainda não deu um celular para o seu filho, o melhor é esperar essa idade e, ainda assim, não permitir que ele tenha livre acesso. Existem aplicativos que permitem monitorar, é preciso restrição de tempo e impedir que ele leve o aparelho quando sai para eventos sociais, por exemplo”, orienta.

Quanto às redes sociais, ambos os especialistas são categóricos: acesso só após os 18 anos.

“Eles não têm emocional e cognitivo capazes de processar as informações que estão ali sem que isso afete seu psicológico. Temos visto cada vez mais casos de questões alimentares, ideação suicida e automutilação”, explica Masruha.

Os profissionais destacam ainda que, ao recusar o celular no momento, os pais devem explicar a decisão e apresentar os riscos — o que facilitará a construção de acordos no futuro, e recomendam algumas orientações práticas:

* Dar o exemplo com o próprio tempo de uso;
* Limitar o tempo de tela de lazer a no máximo três horas diárias, menos nos dias de semana;
* Usar ferramentas de monitoramento de conteúdo;
* Evitar que o celular vá junto a eventos sociais;
* Garantir que o aparelho não substitua atividades físicas ou momentos de lazer ativo;
* Impedir o uso do celular durante as refeições.

(Com informações de g1)
(Foto: Reprodução/Freepik/rawpixel.com)

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